370
pages
Português
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2017
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Publié par
Date de parution
11 novembre 2017
Nombre de lectures
11
EAN13
9789897780899
Langue
Português
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Date de parution
11 novembre 2017
Nombre de lectures
11
EAN13
9789897780899
Langue
Português
E ç a de Queir ó s
OS MAIAS
Í ndice
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 1
A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinhan ç a da Rua de S. Francisco de Paula , e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela Casa do Ramalhete , ou simplesmente o Ramalhete . Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete , sombrio casar ã o de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma t í mida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspeto tristonho de resid ê ncia eclesi á stica que competia a uma edifica çã o do reinado da senhora D. Maria I: com uma sineta e com uma cruz no topo, assemelhar-se-ia a um col é gio de Jesu í tas. O nome de Ramalhete provinha decerto de um revestimento quadrado de azulejos fazendo painel no lugar her á ldico do Escudo de Armas, que nunca chegara a ser colocado, e representando um grande ramo de girass ó is atado por uma fita onde se distinguiam letras e n ú meros de uma data.
Longos anos o Ramalhete permanecera desabitado, com teias de aranha pelas grades dos postigos t é rreos, e cobrindo-se de tons de ru í na. Em 1858, Monsenhor Buccarini, N ú ncio de Sua Santidade, visitara-o com ideia de instalar l á a Nunciatura, seduzido pela gravidade clerical do edif í cio e pela paz dormente do bairro: e o interior do casar ã o agradara-lhe tamb é m, com a sua disposi çã o apala ç ada, os tetos apainelados, as paredes cobertas de frescos onde j á desmaiavam as rosas das grinaldas e as faces dos Cupidinhos. Mas Monsenhor, com os seus h á bitos de rico prelado romano, necessitava na sua vivenda os arvoredos e as á guas de um jardim de luxo e o Ramalhete possu í a apenas, ao fundo de um terra ç o de tijolo, um pobre quintal inculto, abandonado à s ervas bravas, com um cipreste, um cedro, uma cascatazinha seca, um tanque entulhado, e uma est á tua de m á rmore (onde Monsenhor reconheceu logo V é nus Citereia) enegrecendo a um canto na lenta humidade das ramagens silvestres. Al é m disso, a renda que pediu o velho Vila ç a, procurador dos Maias, pareceu t ã o exagerada a Monsenhor, que lhe perguntou sorrindo se ainda julgava a Igreja nos tempos de Le ã o X. Vila ç a respondeu — que tamb é m a nobreza n ã o estava nos tempos do senhor D. Jo ã o V. E o Ramalhete continuou desabitado. Este in ú til pardieiro (como lhe chamava Vila ç a J ú nior, agora, por morte de seu pai, administrador dos Maias) s ó veio a servir, nos fins de 1870, para l á se arrecadarem as mob í lias e as lou ç as provenientes do palacete de fam í lia em Benfica, morada quase hist ó rica, que, depois de andar anos em pra ç a, fora ent ã o comprada por um comendador brasileiro. Nessa ocasi ã o vendera-se outra propriedade dos Maias, a Tojeira ; e algumas raras pessoas que em Lisboa ainda se lembravam dos Maias, e sabiam que desde a Regenera çã o eles viviam retirados na sua quinta de Santa Ol á via, nas margens do Douro, tinham perguntado a Vila ç a se essa gente estava atrapalhada.
— Ainda t ê m um peda ç o de p ã o — disse Vila ç a sorrindo — e a manteiga para lhe barrar por cima.
Os Maias eram uma antiga fam í lia da Beira, sempre pouco numerosa, sem linhas colaterais, sem parentelas — e agora reduzida a dois var õ es, o senhor da casa, Afonso da Maia, um velho j á , quase um antepassado, mais idoso que o s é culo, e seu neto Carlos que estudava medicina em Coimbra. Quando Afonso se retirara definitivamente para Santa Ol á via, o rendimento da casa excedia j á cinquenta mil cruzados: mas desde ent ã o tinham-se acumulado as economias de vinte anos de aldeia; viera tamb é m a heran ç a de um ú ltimo parente, Sebasti ã o da Maia, que desde 1830 vivia em N á poles, s ó ocupando-se de numism á tica: — e o procurador podia certamente sorrir com seguran ç a quando falava dos Maias e da sua fatia de p ã o. A venda da Tojeira fora realmente aconselhada por Vila ç a: mas nunca ele aprovara que Afonso se desfizesse de Benfica — s ó pela raz ã o de aqueles muros terem visto tantos desgostos dom é sticos. Isso, como dizia Vila ç a, acontecia a todos os muros. O resultado era que os Maias, o Ramalhete inabit á vel, n ã o possu í am agora uma casa em Lisboa; e se Afonso naquela idade amava o sossego de Santa Ol á via, seu neto, rapaz de gosto e de luxo que passava as f é rias em Paris e Londres, n ã o quereria, depois de formado, ir sepultar-se nos penhascos do Douro. E com efeito, meses antes de ele deixar Coimbra, Afonso assombrou Vila ç a anunciando-lhe que decidira vir habitar o Ramalhete ! O procurador comp ô s logo um relat ó rio a enumerar os inconvenientes do casar ã o: o maior era necessitar tantas obras e tantas despesas; depois, a falta de um jardim devia ser muito sens í vel a quem sa í a dos arvoredos de Santa Ol á via; e por fim aludia mesmo a uma lenda, segundo a qual eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete , « ainda que (acrescentava ele numa frase meditada) at é me envergonho de mencionar tais frioleiras neste s é culo de Voltaire, Guizot e outros fil ó sofos liberais... » Afonso riu muito da frase, e respondeu que aquelas raz õ es eram excelentes — mas ele desejava habitar sob tetos tradicionalmente seus; se eram necess á rias obras, que se fizessem e largamente; e enquanto a lendas e agouros, bastaria abrir de par em par as janelas e deixar entrar o sol.
Sua Excel ê ncia mandava: — e, como esse inverno ia seco, as obras come ç aram logo, sob a dire çã o de um Esteves, arquiteto, pol í tico, e compadre de Vila ç a. Este artista entusiasmara o procurador com um projeto de escada aparatosa, flanqueada por duas figuras simbolizando as conquistas da Guin é e da Í ndia. E estava ideando tamb é m uma cascata de lou ç a na sala de jantar — quando, inesperadamente, Carlos apareceu em Lisboa com um arquiteto-decorador de Londres, e, depois de estudar com ele à pressa algumas ornamenta çõ es e alguns tons de estofos, entregou-lhe as quatro paredes do Ramalhete , para ele ali criar, exercendo o seu gosto, um interior confort á vel, de luxo inteligente e s ó brio.
Vila ç a ressentiu amargamente esta desconsidera çã o pelo artista nacional; Esteves foi berrar ao seu Centro pol í tico que isto era um pa í s perdido. E Afonso lamentou tamb é m que se tivesse despedido o Esteves, exigiu mesmo que o encarregassem da constru çã o das cocheiras. O artista ia aceitar — quando foi nomeado governador civil.
Ao fim de um ano, durante o qual Carlos viera frequentemente a Lisboa colaborar nos trabalhos, « dar os seus retoques est é ticos » — do antigo Ramalhete s ó restava a fachada tristonha, que Afonso n ã o quisera alterada por constituir a fisionomia da casa. E Vila ç a n ã o duvidou declarar que Jones Bule (como ele chamava ao ingl ê s) sem despender despropositadamente, aproveitando at é as antigualhas de Benfica, fizera do Ramalhete « um museu » .
O que surpreendia logo era o p á tio, outrora t ã o l ô brego, nu, lajeado de pedregulhos — agora resplandecente, com um pavimento quadrilhado de m á rmores brancos e vermelhos, plantas decorativas, vasos de Quimper, e dois longos bancos feudais que Carlos trouxera de Espanha, trabalhados em talha, solenes como coros de catedral. Em cima, na antec â mara, revestida como uma tenda de estofos do Oriente, todo o rumor de passos morria: e ornavam-na div ã s cobertos de tapetes persas, largos pratos mouriscos com reflexos met á licos de cobre, uma harmonia de tons severos, onde destacava, na brancura imaculada do m á rmore, uma figura de rapariga friorenta, arrepiando-se, rindo, ao meter o pezinho na á gua. Da í partia um amplo corredor, ornado com as pe ç as ricas de Benfica, arcas g ó ticas, jarr õ es da Í ndia, e antigos quadros devotos. As melhores salas do Ramalhete abriam para essa galeria. No sal ã o nobre, raramente usado, todo em brocados de veludo cor de musgo de outono, havia uma bela tela de Constable, o retrato da sogra de Afonso, a condessa de Runa, de tricorne de plumas e vestido escarlate de ca ç adora inglesa, sobre um fundo de paisagem enevoada. Uma sala mais pequena, ao lado, onde se fazia m ú sica, tinha um ar de s é culo XVIII com seus m ó veis enramalhetados de ouro, as suas sedas de ramagens brilhantes: duas tape ç arias de Gobelins desmaiadas, em tons cinzentos, cobriam as paredes de pastores e de arvoredos.
Defronte era o bilhar, forrado de um couro moderno trazid