20
pages
Português
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2025
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Publié par
Date de parution
17 janvier 2025
Nombre de lectures
0
EAN13
9789895620401
Langue
Português
Fiódor Dostoiévski
O ETERNO MARIDO
t í tulo original | vechnyj muzh
autor | fi ó dor dostoi é vski
tradu çã o | jo ã o campos lima
capa | mim é tica
imagem da capa | pierre-auguste renoir: retrato do casal sisley (1868)
pagina çã o | mim é tica
copyright | 2019 © mim é tica para a presente tradu çã o
esta edi çã o respeita o novo acordo ortogr á fico da l í ngua portuguesa
Í ndice
Capítulo 1 — Veltchaninov
Capítulo 2 — O Homem do Chapéu com Fita de Crepe
Capítulo 3 — Pavel Pavlovitch Trussotzky
Capítulo 4 — A Mulher, o Marido e o Amante
Capítulo 5 — Lisa
Capítulo 6 — O Novo Capricho de um Ocioso
Capítulo 7 — O Marido e o Amante Beijam-se
Capítulo 8 — Lisa Está Doente
Capítulo 9 — O Fantasma
Capítulo 10 — O Cemitério
Capítulo XI — Pavel Pavlovitch Vai Casar-se
Capítulo 12 — Em Casa dos Zakhlébinine
Capítulo 13 — Para Que Lado Pende a Balança?
Capítulo 14 — Sachenza e Nadenka
Capítulo 15 — Ficam Liquidadas as Contas
Capítulo 16 — Análise
Capítulo 17 — O Eterno Marido
Capítulo 1 — Veltchaninov
Chegou o ver ã o e Veltchaninov, contra toda a expectativa, ficou em Petersburgo. A sua projetada viagem pela R ú ssia meridional n ã o p ô de fazer-se e, quanto à sua demanda, n ã o se lhe via o fim. Essa demanda, um lit í gio de terras, tomara um aspeto muito desagrad á vel. Tr ê s meses antes parecia uma coisa simples e o seu ê xito quase indiscut í vel; mas de repente tudo se embrulhou. « E, em geral, tudo vai cada vez pior. » Veltchaninov repetia agora frequentemente esta frase. Tinha um advogado h á bil, caro, de fama, e n ã o olhava a despesas. Mas a sua impaci ê ncia e uma certa desconfian ç a inquieta incitaram-no a intervir pessoalmente na quest ã o: redigia planos que o advogado lan ç ava em seguida ao cesto dos pap é is in ú teis; percorria as reparti çõ es, tratava incessantemente de obter informa çõ es e n ã o fazia provavelmente sen ã o retardar tudo. Pelo menos, o advogado queixava-se disso e insistia com ele para que fosse para o campo; mas Veltchaninov n ã o podia resolver-se a partir, nem sequer para os arrabaldes da cidade. A poeira, o calor asfixiante, as noites brancas de Petersburgo, t ã o enervantes, era o que ele gozava na cidade. Tamb é m n ã o tinha tido sorte com os aposentos, que tomara de arrendamento h á pouco, numa rua perto do Grande Teatro. « Nada corre bem! » A sua hipocondria agravava-se de dia para dia; o que n ã o admirava, pois j á de h á muito tempo tinha uma certa predisposi çã o para a doen ç a.
Era um homem que vivera muito e intensamente. Estava longe de ser jovem, tinha j á uns trinta e oito anos, e essa « velhice » como ele dizia, surgira « quase de repente » . Mas ele pr ó prio compreendia que n ã o era o n ú mero de anos, mas a sua qualidade, por assim dizer, que o tinha envelhecido e que a causa dos seus achaques era principalmente interna. Parecia ainda um homem forte. Era um rapag ã o corpulento e robusto. N ã o tinha um fio branco no seu cabelo louro claro, nem na longa barba que lhe chegava quase at é meio do peito. À primeira vista parecia um pouco rude e pesado, mas, observando-o mais de perto, ter í eis imediatamente reconhecido nele o perfeito cavalheiro que sabe viver em sociedade e que recebeu uma educa çã o mundana. As maneiras de Veltchaninov eram ainda desembara ç adas, dignas e at é graciosas, apesar do ar atrevido e o à vontade que havia contra í do. E conservava ainda um aprumo inabal á vel, uma altivez aristocr á tica indo at é à insol ê ncia e de que ele pr ó prio n ã o suspeitava talvez a extens ã o, embora fosse um homem n ã o s ó inteligente mas subtil por vezes, razoavelmente instru í do e incontestavelmente dotado. O rosto franco de um tom rosado distinguia-se ainda por uma carna çã o delicada, que atra í a a aten çã o das mulheres. E ainda hoje, ao v ê -lo, à s vezes se exclamava: « Que lindo rapaz e que saud á vel! Dir-se-ia sangue e leite! » Contudo sofria de uma terr í vel hipocondria. Os seus grandes olhos, uma d ú zia de anos antes, tinham tamb é m qualquer coisa de aliciante. Eram uns olhos t ã o claros, t ã o alegres, de uma t ã o feliz despreocupa çã o que, sem nada fazerem para isso, logo atra í am todos os que os viam. Agora que ro ç ava j á pelos quarenta, estavam quase completamente extintas a candidez e bondade nesses olhos, j á cercados de pequenas rugas. Refletiam, pelo contr á rio, o cinismo do homem fatigado e de pouca moralidade, a velhacaria, o sarcasmo a maior parte das vezes, e uma express ã o nova que n ã o tinham dantes: de tristeza e de dor, de tristeza inconsciente, sem objeto por assim dizer, mas profunda. Essa tristeza manifestava-se sobretudo quando estava s ó . E, coisa estranha, esse homem, apenas dois anos antes, ainda t ã o ruidoso, t ã o alegre, t ã o divertido e que contava com tanta gra ç a hist ó rias para fazerem rir, n ã o gostava agora de ficar completamente s ó . Desfizera-se, apesar do mau estado da sua fortuna, de muitas rela çõ es que lhe poderiam ser ú teis. A vaidade tinha para isso contribu í do tamb é m: a sua desconfian ç a inquieta e a sua vaidade tornavam-lhe imposs í vel a conviv ê ncia com os seus antigos conhecimentos. Tamb é m a sua vaidade, na solid ã o, se foi transformando pouco a pouco. Longe de se atenuar, tomou, pelo contr á rio, uma nova forma, muito especial: outros motivos muito diferentes dos que o preocupavam dantes o inquietavam agora; motivos imprevistos, « superiores » à queles que o haviam determinado at é ent ã o, « se na verdade se pode dizer assim, se h á realmente motivos superiores e inferiores » , como ele dizia a si mesmo.
Sim, tinha chegado at é à quilo: debatia-se agora contra n ã o se sabe que raz õ es superiores, que nem um instante teriam prendido a sua aten çã o noutro tempo. No seu esp í rito, na sua consci ê ncia, considerava « raz õ es superiores » aquelas de que (com grande espanto seu) lhe era imposs í vel rir quando estava s ó . Mas em sociedade era outra coisa! Sabia muito bem que na primeira ocasi ã o favor á vel, no dia seguinte, renunciaria bem alto a todas essas « raz õ es superiores » , apesar das resolu çõ es secretas da sua consci ê ncia e que seria o primeiro a rir-se delas, sem o confessar, é claro. Dava-se isto, apesar da independ ê ncia de pensamento bastante not á vel que ultimamente conseguira conquistar sobre as « raz õ es inferiores » que dantes o dominavam. E quantas vezes, ent ã o, ao deixar de manh ã o leito, ele pr ó prio tinha vergonha dos pensamentos e dos sentimentos que lhe tinham vindo durante a sua ins ó nia (e, nos ú ltimos tempos, sofria constantemente de ins ó nias). J á h á muito tempo notara que se ia deixando dominar cada vez mais pelos escr ú pulos e a desconfian ç a, tanto nas coisas de import â ncia como quando se tratava de futilidades, e havia resolvido fiar-se cada vez menos em si pr ó prio. Produziam-se, contudo, certos factos cuja realidade lhe era imposs í vel contestar. Nesses ú ltimos tempos, durante a noite, à s vezes, os seus pensamentos, as suas sensa çõ es habituais, sofriam uma transforma çã o quase completa e n ã o se pareciam absolutamente nada com os que havia tido ao principiar do dia. Isto impressionou-o e foi pedir sobre o assunto o conselho de um m é dico c é lebre que, al é m disso, conhecia pessoalmente. Contou-lhe com toda a naturalidade o facto, gracejando. O m é dico respondeu-lhe que a transforma çã o e mesmo o desdobramento dos pensamentos e das sensa çõ es, nas noites de ins ó nia, e em geral durante a noite, era um fen ó meno vulgar nas pessoas que « pensam e sentem com intensidade » ; que as convic çõ es de uma exist ê ncia inteira se transformavam bruscamente sob a influ ê ncia deprimente da noite e da ins ó nia; sucedia mesmo tomarem de repente, sem raz ã o de ser, as mais fatais resolu çõ es; mas que havia rem é dio para tudo e que, se esse desdobramento fosse de tal intensidade que chegasse a provocar sofrimento, isso era o ind í cio incontest á vel de uma verdadeira doen ç a e que era preciso nesse caso tratar-se sem demora. O melhor era modificar radicalmente o seu sistema de vida, mudar de regime ou fazer mesmo uma viagem. Seria certamente ú til tamb é m purgar-se.
Veltchaninov n ã o quis ouvir mais nada; sabia j á que tudo aquilo era doen ç a.
« Assim, portanto, tudo isto é m ó rbido, todas estas raz õ es « superiores » n ã o s ã o mais do que o efeito da doen ç a, e n ã o outra coisa! » exclamava ele ironicamente para