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Português
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2017
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Publié par
Date de parution
11 novembre 2017
Nombre de lectures
16
EAN13
9789897780967
Langue
Português
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Date de parution
11 novembre 2017
Nombre de lectures
16
EAN13
9789897780967
Langue
Português
Gustave Flaubert
MADAME BOVARY
Índice
Parte 1
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Parte 2
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 1
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Parte 3
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Parte 1
Capítulo 1
Est á vamos a estudar quando o diretor entrou acompanhado de um novato vestido à camp ó nia e de um mo ç o que trazia uma grande carteira. Os que dormiam acordaram e todos se ergueram como que surpreendidos nos trabalhos.
O diretor fez sinal para que nos sent á ssemos e depois voltando-se para o prefeito:
— Sr. Rog é rio — disse a meia voz — trago-lhe aqui um aluno que lhe recomendo e que vai para a quinta classe. Se a sua aplica çã o e comportamento forem bons, passar á para os grandes, onde o exige a sua idade.
O novato tinha ficado ao canto, por tr á s da porta e mal o v í amos. Era um rapaz do campo, de cerca de quinze anos, mais alto que qualquer de n ó s; trazia os cabelos rentes sobre a testa, como um sacrist ã o de aldeia e tinha um aspeto sisudo e acanhado. Posto n ã o fosse muito espada ú do, a jaqueta de pano verde com bot õ es pretos, muito apertada nas ombreiras, devia incomod á -lo bastante. Pelas aberturas das mangas, viam-se-lhe uns pulsos muito vermelhos, acostumados ao ar livre. As pernas, com meias azuis, saiam-lhe de umas cal ç as amareladas muito subidas pelos suspens ó rios. Cal ç ava umas botas fortes, mal engraxadas e com tachas.
Come çá mos a dar a li çã o. Ele escutava, muito atento, com tanta aten çã o como se ouvisse uma pr é dica, sem se atrever a cruzar as pernas, nem a apoiar-se no cotovelo e, à s duas horas, quando a sineta tocou, o prefeito teve de o advertir para que se pusesse connosco na forma.
Ao entrar na aula, t í nhamos o costume de atirar os bon é s para o ch ã o, a fim de ficarmos com as m ã os mais livres; era praxe, logo do limiar da porta, lan çá -los para debaixo do banco, de maneira a baterem contra a parede fazendo muito p ó ; consistia nisso a habilidade.
Mas quer ele n ã o tivesse notado esta manobra, quer n ã o se atrevesse a adot á -la, terminada a ora çã o, ainda conservava o bon é sobre os joelhos. Aquele bon é era uma destas coisas complexas, formadas por elementos de chap é u de feltro, chap é u redondo, bon é turco, gorro de peles, barrete de algod ã o, uma destas pobres coisas em suma, cuja fealdade muda tem a mesma profundidade de express ã o que o rosto de um imbecil. Ovoide, guarnecido de barbas de baleia, come ç ava por tr ê s pe ç as circulares; separados por uma franja vermelha, alternavam-se losangos de veludo e de pele de coelho e em seguida uma esp é cie de saco que terminava por um pol í gono cartonado coberto por um bordado complicad í ssimo e do qual pendiam, na extremidade de um longo cord ã o muito fino, umas pequenas borlas de fio de ouro em forma de bolota. Era novo; a pala reluzia.
— Levante-se! — disse o professor.
Levantou-se, deixando cair o bon é . Toda a aula se p ô s a rir.
Abaixou-se para o apanhar. Um vizinho fez-lho cair de novo, com uma cotovelada e ele tornou a apanh á -lo.
— Deite para a í o bon é ! — disse o professor, que era um homem trocista.
Entre os rapazes produziu-se uma hilaridade geral, que embara ç ou ainda mais o pobre mo ç o, de maneira que n ã o sabia se devia ficar com o bon é na m ã o, deix á -lo cair ou p ô -lo na cabe ç a. Tornou a sentar-se pousando-o sobre os joelhos.
— Levante-se — repetiu o professor — e diga-me o seu nome.
O novato articulou com voz tr é mula um nome incompreens í vel.
— Repita!
Ouviu-se o mesmo balbuciar de s í labas, sufocado pelas gargalhadas dos rapazes.
— Mais alto! — exclamou o professor. — Mais alto!
O novato, tomando ent ã o uma resolu çã o extrema, abriu a boca desmesuradamente e, como se chamasse por algu é m, lan ç ou a plenos pulm õ es esta palavra: Carbovari.
Produziu-se um enorme alarido que irrompeu de repente, subiu em crescendo com gritos agudos (uivava-se, ladrava-se, batia-se com os p é s, repetia-se: Carbovari, Carbovari! ) e depois se reduziu a notas isoladas, acalmando-se com grande dificuldade. Por vezes recome ç ava numa bancada, onde explodia ainda, aqui e acol á , como uma bomba mal apagada, um riso sufocado.
Contudo, sob uma saraivada de castigos, a ordem restabeleceu-se na aula e o professor, tendo conseguido perceber o nome de Carlos Bovary, fazendo-lhe ditar, soletrar e reler, ordenou ao pobre diabo que se fosse sentar no banco dos madra ç os, junto à c á tedra. Carlos p ô s-se em movimento, mas antes de partir, hesitou.
— Que procura? — perguntou o professor.
— O meu bo... — disse timidamente o novato, lan ç ando em redor olhares inquietos.
— Quinhentos verbos a toda a aula! — exclamou o professor com voz furiosa, detendo assim, como o Quos ego, uma nova borrasca.
— Estejam quietos! — continuava o professor enxugando a testa com o len ç o, que acabava de tirar de dentro do gorro. — Quanto a si, seu novato, copiar-me- á vinte vezes o verbo ridiculus sum.
Depois, com voz mais suave:
— O bon é h á de aparecer, deixe l á ! Ningu é m lho roubou!
Tudo caiu em sossego. As cabe ç as curvaram-se sobre os livros e o novato permaneceu durante duas horas numa atitude exemplar, ainda que, de vez em quando, uma bolita de papel lan ç ada com a ponta de uma pena fosse bater-lhe na cara. Mas ele limpava-se com a m ã o e continuava im ó vel, de olhos baixos.
À noite, na sala de estudo, tirou da carteira as mangas de alpaca, p ô s em ordem as suas coisas e regrou cuidadosamente o papel. Vimo-lo trabalhar conscienciosamente, procurando todas as palavras no dicion á rio, afadigando-se bastante. Gra ç as, sem d ú vida, a esta boa vontade, de que deu tantas provas, n ã o desceu à classe inferior: porque, se sabia sofrivelmente as regras, o seu porte carecia de eleg â ncia. Tinha sido o cura da sua aldeia que lhe dera as primeiras li çõ es do latim, pois que a fam í lia, por economia, mandara-o para o col é gio o mais tarde poss í vel.
Seu pai, Carlos Dinis Bartolomeu Bovary, antigo ajudante de cirurgi ã o-mor, comprometido, a í por 1812 em quest õ es de conspira çã o, obrigado por essa é poca a deixar o servi ç o, tinha-se aproveitado das vantagens da sua figura para apanhar um dote de sessenta mil francos, que se lhe oferecia na pessoa da filha de um negociante de chap é us, que se enamorara da sua eleg â ncia. Bonito homem, falador, fazendo tilintar as esporas e usando su íç as, prolongadas at é aos bigodes, os dedos sempre carregados de an é is, o fato de cores vistosas, tinha o aspeto dum bravo, com a desenvoltura vulgar de um caixeiro-viajante. Depois de casar, viveu dois ou tr ê s anos da fortuna da mulher, comendo bem, levantando-se tarde, fumando em grandes cachimbos de porcelana e entrando à noite em casa s ó depois de ter ido ao teatro e de frequentar os caf é s. O sogro morreu deixando pouca coisa; ficou indignado e montou f á brica, perdendo a í algum dinheiro; por fim retirou-se para o campo com o intuito de se desforrar. Mas, como ele percebia tanto de cultura como de chitas, montando os cavalos em vez de os enviar à lavoura, bebendo a cidra à s garrafas em vez de a vender à s pipas, comendo os melhores vol á teis da capoeira e engraxando as suas botas de ca ç a com o unto dos porcos, n ã o tardou a notar que o melhor era abandonar o neg ó cio.
Por duzentos francos anuais, arranjou a alugar, numa aldeia dos confins de Caux e da Picardia, uma casa meio rural, meio urbana; e, desgostoso, cheio de remorsos, acusando o c é u, irritado com todos encerrou-se ali aos quarenta e cinco anos, aborrecido dos homens — dizia ele e decidido a viver em paz.
Sua mulher tinha estado apaixonada por ele em tempo, havia-o amado servilmente, com o que s ó conseguiu torn á -lo mais arredio. Jovial expansiva e enamorada outrora, ao envelhecer tornou-se (como o vinho exposto ao ar se converte em vinagre) de um constante mau humor, resmungona e nervosa. Tanto tinha sofrido em sil ê ncio, ao v ê -lo andar atr á s de todas as saias da aldeia e voltar todas as noites dos piores lugares, a cair de b ê bado! Depois, o orgulho revoltou-se. Calou-se ent ã o, tragando a sua raiva num estoicismo mudo, que conservou at é à morte. Dedicada por inteiro aos assuntos e neg ó cios da casa, ia falar com os advogados, o jui